O inferno pela lógica e pela razão


Ontem o Jacob, que comenta aqui neste blog, tocou em um ponto interessante nos comentários do artigo "Sobre a minha crença na mortalidade da alma". Eu respondi ali de forma mais resumida, e recomendo a todos que primeiro leiam a pergunta dele e a minha resposta, que abordarei aqui de forma mais ampliada. Trata-se do tão conhecido inferno, que tem sido retratado de forma dantesca pelos defensores da imortalidade da alma. Para eles, o inferno é aquele lugar retirado direto dos contos de terror, onde almas são eternamente atormentadas em suplícios sem fim dentro de um verdadeiro e literal lago que arde com fogo e enxofre, sofrendo ali torturas colossais que colocariam no chinelo qualquer carnificina como a inquisição ou o holocausto. É este o inferno de Dante, o inferno de santa Faustina e do cara que passou 23 minutos no inferno (sim, ele contou os minutos).

Claro que este, definitivamente, não é o inferno da Bíblia. Mas neste artigo não tratarei do inferno bíblico, porque já fiz isso milhares de vezes, tanto em meu livro "A Verdade sobre o Inferno" (que faz parte da obra “A Lenda da Imortalidade da Alma”, com mais de 800 páginas de estudo sobre o tema) como também em dezenas de artigos neste blog e principalmente no Desvendando a Lenda, que é o meu blog direcionado especificamente ao tema em questão. Por isso, neste artigo não passarei nenhum versículo bíblico a favor nem comentarei sobre nenhum versículo bíblico usado pelos infernistas.

O que tratarei aqui é do inferno pela lógica e pela razão. Sim, eu não creio em uma “fé sem razão”. Creio que a fé cristã como um todo, e os aspectos principais do Cristianismo em especial, podem ser provados pelo uso da razão sem exigir uma dose grande de fé. Você pode ver alguns argumentos racionais em favor da ressurreição de Jesus, por exemplo, clicando aquie aqui. Sou totalmente do partido do pastor John Stott, autor do livro "Crer é Também Pensar", e do apologista William Lane Craig, autor do website "Reasonable Faith" (Fé Racional). Se o inferno não pode ser nem minimamente embasado pela razão, acabou a fé. Estaríamos dando razão a Dawkins quando diz que Deus é um delírio. Estaríamos sendo tão subjetivos em nossa crença quanto os islâmicos ou adeptos de qualquer outra fé do mundo.

O problema para os infernistas é que a crença deles em um tormento eterno é totalmente irracional. Trata-se de um nonsense total. Se existe uma crença que seja uma forte candidata a ser a pior e mais horrivelmente irracional de todas as invenções humanas, essa é certamente a de um tormento eterno. De todas as doutrinas papistas é a maior de todas as aberrações, porque é uma das únicas que tem o potencial de retratar Deus como um monstro. Que outra doutrina humana tem o poder de transformar o Deus de amor, justiça e misericórdia – revelado nas Escrituras e na pessoa de Jesus Cristo – em um ser cheio de ódio, ao ponto deste ódio pelos infiéis não ser saciado nem com blocos intermináveis de bilhões e bilhões de anos de sofrimento e tormento em um terrível lago de fogo literal? Você consegue se lembrar alguma? Eu não. Não faço ideia. A concepção popular do inferno ganha disparado de qualquer outra que você possa pensar.

O problema, no entanto, é maior que isso. O que tenho observado é que quase todos os infernistas creem em um tormento eterno mesmo reconhecendo que não há lógica ou razão nisso. “Deus é um mistério”, dizem eles. “Não podemos entender os mistérios de Deus”, dizem eles. “Um dia teremos a resposta”, dizem eles. “Não entendemos, mas cremos mesmo assim”, dizem eles. Há mil e uma formas de se admitir crer em algo irracional mesmo sem dizer isso. Todos são pretextos que poderiam ser perfeitamente usados por um teólogo muçulmano, budista, hindu ou pastafariano para qualquer outra crença irracional e sem sentido. O perigo é evidente: não apenas a crença em si em um tormento eterno é uma completa aberração, mas as desculpas que as pessoas tomam para continuar a crer nisso revela que essa crença não é somente monstruosa, mas irracional. Quase podemos perceber o coração deles, lá no fundo, confessando que é assim mesmo.

O famoso teólogo e pregador anglicano John Stott já reconhecia:

"Emocionalmente, acho o conceito [de tormento consciente eterno] intolerável e não compreendo como as pessoas podem viver com isso sem cauterizar seus sentimentos ou fissuras, sob a tensão”[1]

Se você for pesquisar a fundo sobre a defesa mais “racional” do inferno eterno, provavelmente vai terminar no livro Não tenho fé suficiente para ser ateu, escrito por Norman Geisler e Frank Turek, que tem um sub-tópico falando sobre o inferno, e usando típicos argumentos imortalistas que analisarei mais adiante. Mas é interessante observar que, mesmo ali, há uma confissão impressionante que esclarece todas as coisas. Geisler e Turek, os maiores defensores do “inferno racional”, afirmam explicitamente:

“Nós certamente não gostamos daquilo que a Bíblia diz sobre o inferno. Gostaríamos que não fosse verdade[2]

Você tem que ler isso de novo: “Nós certamente não gostamosdaquilo que a Bíblia diz sobre o inferno... gostaríamos que não fosse verdade”. Sim, é isso mesmo. Eu também fiquei chocado com tamanha honestidade intelectual da parte deles. São poucos os imortalistas que admitem isso. Para que o maior apologista cristão de todos os tempos afirme que há algo na Bíblia que ele certamente não gosta e que ainda gostaria que não fosse verdade, essa coisa em questão deve ser muito, muito tenebrosa. Deve ser totalmente abominável. Nós não estamos falando de um apologista qualquer. Estamos falando de Norman Geisler e Frank Turek. Quem tem um mínimo de familiaridade com a apologética sabe o que esses caras representam. Isso mostra que o problema é sério mesmo!

A verdade é que existe uma lei de consciência, também muitas vezes chamada de “lei moral”, que Deus colocou no coração de cada um de nós. Eu falei que não ia citar versículos bíblicos, mas me sinto impelido a citar um só, em Romanos 2:13-16, que diz:

“Porque não são os que ouvem a Lei que são justos aos olhos de Deus; mas os que obedecem à lei, estes serão declarados justos. De fato, quando os gentios, que não têm a lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a lei; pois mostram que as exigências da lei estão gravadas em seus corações. Disso dão testemunho também a consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os. Isso acontecerá no dia em que Deus julgar os segredos dos homens, mediante Jesus Cristo, conforme o declara o meu evangelho” (Romanos 2:13-16)

Note que o apóstolo Paulo está falando de uma lei interna, que Deus implantou no coração de cada ser humano. Essa lei obviamente não é as Escrituras. Paulo está falando dos gentios, que viviam sem a lei (a Bíblia da época). Eles não tinham nada escrito. Também não tinham nada transmitido oralmente. Também não tinham nenhuma igreja. Nenhum pastor. Nenhum padre. Nada. Mas eles tinham uma coisa: a lei moral, que Deus colocou em todo ser humano, até naqueles que não tem Bíblia. Essa lei, diz Paulo, está “gravada em seus corações”.

É essa a razão pela qual alguém que não tem Bíblia, ou que nunca tenha ouvido falar de Jesus, pode saber que o estupro e o assassinato são errados. Ele sabe porque existe uma consciência nele que diz que tais práticas são abomináveis, e, portanto, erradas[3]. Ele não precisa de algo escrito para saber que isso é objetivamente mau. Até o ateu, por meio da lei moral, pode ser alguém moral do ponto de vista humano, caso ele siga à risca esta lei de consciência implantada em seu coração[4]. O fato é que essa lei existe, ela vem de Deus e é ela que nos orienta nas mais diferentes situações cotidianas. Nós sabemos que o holocausto e a inquisição foram coisas abomináveis e erradas porque essa lei moral (dada por Deus) nos diz isso interiormente. O problema para os infernistas é que essa mesma lei moral que Deus nos deu é a que diz que o tormento eterno é uma aberração.

Essa é a razão pela qual até mesmo os infernistas mais honestos admitem que a doutrina do tormento eterno é algo que eles gostariam que não fosse verdade, o que só pode significar que eles não creem que o tormento eterno seja justo ou amoroso, ou que faça jus ao caráter de Deus revelado nas Escrituras. Afinal, ninguém se recusa a crer em algo que seja justo e decente. Ninguém gostaria de mudar algo que não fosse errado. E como eles sabem que este tormento eterno, que eles creem, é errado? Pelo ponto de vista moral. Pela lei que Deus nos deu.

A encruzilhada aqui é evidente: para continuar sustentando o tormento eterno, os infernistas teriam que sugerir a ideia de que Deus criou um terrível inferno eterno com tormentos infinitos para depois nos dar uma lei moral que diz que esta doutrina é uma aberração! Em outras palavras, eles são forçados a crer que Deus faz uma coisa “certa”, e depois coloca em nossos corações que essa coisa é “errada”. Ou eles sustentam que Deus fez algo errado (o que ninguém ousaria), ou eles sustentam que Deus fez algo certo que nos parece errado. Mas este “parecer errado” vem do próprio Deus, na lei moral que ele nos deu. Estaria Deus tentando nos enganar? Não. O inferno parece errado porque é errado. O inferno parece abominável porque é abominável. Isso é o que nos diz a lei moral, e a lei apenas reflete o caráter e a opinião do autor da lei, que, neste caso, é o próprio Deus.

Deus, então, é o autor de uma lei que nos diz que o inferno eterno é abominável. Logo, ele não teria criado esta abominação. Deus não entraria em choque com suas próprias leis. Ele não colocaria a nossa cabeça em parafusos. Ele não nos obrigaria a crer totalmente contra a razão. A crença no inferno eterno, portanto, não é apenas irracional e abominável, mas também imoral, i.e, o inverso do que nos diz a lei moral. Temos uma lei moral que nos diz isso, e temos uma doutrina humana que diz algo totalmente diferente. Deveríamos nós abdicar ao senso de moralidade que o próprio Deus nos deu, para crer em uma invenção de homens? Não. A própria lei moral já é, por si só, suficiente. Ela já liquida a doutrina do tormento eterno.


Mas Deus é um Deus de justiça!

Ao chegar neste ponto, os imortalistas geralmente protestam: “Deus é um Deus de amor, mas também é um Deus de justiça!”. Antes de comentar sobre a justiça de Deus, acho pertinente observar algo em relação ao conceito de amor dele. Note que quem alega isso está, por si mesmo, colocando dois atributos divinos em conflito um com o outro. Ele praticamente está admitindo que o amor de Deus, em si mesmo, diz isso, mas a justiça dele, por outro lado, diz aquilo. Então, numa espécie de balança espiritual, a justiça pesa mais do que o amor, e dá-lhe tormento eterno.

É uma lógica pífia. Ela não apenas corrompe as Escrituras, que dizem que “a misericórdia triunfa sobre o juízo” (Tg.2:13), como também criminosamente coloca um atributo divino contra outro atributo divino, que é algo tão repugnante que toda a argumentação deveria parar por aí. Se você ver alguém dizendo que “Deus é amor, mas...”, pode parar por aí. O que vem depois, com uma chance de 10 entre 10, é com certeza alguma patifaria. Seja lá o que estiver em conjunto com o amor de Deus, ele nunca pode ser uma oposição a ele, mas um complemento – duas coisas que andam de mãos dadas, juntas, em direção a um mesmo caminho, ao invés de dois atributos que lutam ferozmente entre si até que um deles prevaleça sobre o outro.

Mas voltemos à questão da justiça de Deus, porque parece que a questão do amor eles já entregam, como quem desiste antes de um jogo começar. Para eles, ainda que o terror de um inferno eterno contradiga a noção de um Deus de amor, esta ainda é a visão que melhor aplica o conceito de justiça, então devemos fazer de conta que a justiça prevalece sobre o amor e ganha o jogo. Mas a verdade é que, mesmo se a justiça fosse o único elemento que devesse ser levado em consideração, e mesmo se a Bíblia sequer dissesse que Deus é um Deus de amor, mesmo assim a justiça sozinha derrubaria o conceito de um tormento eterno. E isso por uma razão simples: tormento eterno não é justo!

Quando falamos de justiça, a ideia que imediatamente vem à mente é a da proporcionalidade. Isso porque sem proporcionalidade não há justiça. Nós temos este conceito bem fixo em mente, e para isso basta que seu filho faça alguma coisa errada, que exija castigo. Você sabe que tem que castigá-lo, por questão de justiça. Por outro lado, sabe que castigá-lo para sempre seria algo totalmente injusto, pois não faz jus ao senso de justiça. Para existir justiça, o castigo deve ser sempre proporcional ao delito de cada um. Você não vai castigar seu filho caçula que roubou 1 real do cofre do irmão mais velho da mesma forma que você castigaria o irmão mais velho que espancasse o irmão mais novo. Você obviamente castigaria o que roubou 1 real de forma mais leve do que castigaria o que espancou o outro.

Da mesma forma, quando ouvimos na televisão os seculares tentando relacionar os crimes de radicais islâmicos (como os homens-bomba que explodem prédios e matam inocentes em nome da fé deles) com o Cristianismo, por dizer que “é tudo religião”, como se fosse tudo farinha do mesmo saco, a reação imediata que temos é de injustiça. Por quê? Porque sabemos que não dá para comparar os crimes que já foram praticados em nome da fé islâmica com os crimes que já foram praticados em nome da fé evangélica. Há uma disparidade aqui, que exige um tratamento totalmente diferente. Seria uma injustiça se os dois fossem responsabilizados ou punidos da mesma forma. A proporcionalidade é exigida para que se haja a justiça.

Semelhantemente, seria insensato e injusto se Deus punisse o ladrão de frangos da mesma forma que ele puniria Adolf Hitler, ou que ele punisse um índio de 12 anos, que nunca ouviu falar de Jesus, pelo mesmo tempo que ele puniria os ditadores comunistas facínoras que mataram mais de 100 milhões de pessoas no século passado. É só na cabeça do infernista que há justiça em se punir, igualmente, todas as pessoas não-salvas do mundo a um mesmo veredicto de tormento eterno. O tormento indiscriminadamente eterno viola gritantemente o princípio da proporcionalidade, que é a base de todo o nosso senso moral de justiça. Sem proporção, não há justiça. É por isso que as leis dos mais variados países têm penas mais leves e mais pesadas, dependendo do crime que cada pessoa cometeu. Ela não pune todos indiscriminadamente, com a mesma pena. Uma lei que fizesse isso seria qualquer coisa, menos “justa”.

A própria ideia de tormento eterno já é em si mesma injusta. Ela só seria “justa” se o pecador tivesse pecado por tempo infinito. Mas a punição é pelos pecados terrenos (finitos), cometidos pelo pecador em vida. Assim, não há sentido em uma punição infinita por pecados finitos. Isso viola o senso de justiça. Justiça seria uma punição finita por pecados finitos, ou uma punição infinita por pecados infinitos, mas nunca uma punição infinita por pecados finitos, que seria tão irracional quanto se houvesse uma punição finita por pecados infinitos. Uma seria uma punição mais tênue ao pecado, e a outra seria uma punição extremamente mais aguda. Em ambos os casos, não há proporção; logo, não há justiça. A justiça exige a punição finita por pecados finitos. Isso é o inverso do tormento eterno. Portanto, no tormento eterno não há justiça, a não ser que você já tenha a mente cauterizada ao ponto de pensar que para satisfazer a justiça divina são necessários tormentos infinitos por pecados finitos.

A conclusão que podemos chegar a partir disso é que o tormento eterno não contradiz apenas o amor de Deus, mas também a Sua justiça. Isso era o que deveríamos esperar, já que um atributo da divindade não atua contra o outro. Os dois se unem em um mesmo caminho, andando para a mesma direção. Como eu expus no artigo "As visões teológicas sobre o inferno", há somente quatro visões teológicas sobre o inferno: (a) tormento eterno; (b) universalismo; (c) aniquilacionismo direto; (d) aniquilacionismo posterior ao castigo.

A primeira opção, como vimos, é a que mais violenta o senso moral de justiça. A segunda ainda não é satisfatória, pois não seria justo se pessoas que viveram impiamente nesta vida ganhassem a salvação no futuro. A terceira chega mais perto, mas ainda falha em desconsiderar o princípio da proporcionalidade que exige a existência de castigos, ainda que finitos (temporários) e proporcionais. A quarta é a única que satisfaz o senso humano de justiça, que nos foi dado diretamente por Deus. Esta é a única forma lógica de castigo que poderia existir em um pós-morte, se Deus é mesmo amor e justiça. Este é o inferno pela lógica e pela razão.


Seria bom demais se o tormento fosse finito para os ateus!

Outra objeção comum é que, se o tormento no inferno for finito, então “isso era tudo o que os ateus queriam”, como se isso fosse uma espécie de “prêmio” para eles. Há até alguns que eu já vi afirmando que se o tormento não é eterno então é melhor viver como um ateu nesta vida e pecar à vontade. É o cúmulo da ignorância. Este é um argumento baseado no sadismo: se o castigo não for eterno, então “não vale”. Mas em nosso cotidiano nós não costumamos satisfazer nosso senso de justiça ao ver um opressor sendo cruelmente torturado em uma prisão para sempre. Ao contrário: nós sentimos que a justiça foi feita se o criminoso pagou pelo tanto que merecia ter pagado. Não mais, nem menos. Somente o que merecia. Isso basta.

Ver alguém sendo moído, torturado, atormentado, e esse tormento não acabar nem depois de bilhões e bilhões de anos, não satisfaz senso de justiça algum, mas apenas um sadismo escondido, ou um ódio inflamado por alguém. Se você visse uma pessoa conscientemente ser queimada por alguns minutos, ficaria tão angustiado que sequer aguentaria vê-la queimando até o fim. Por que, então teríamos que querer que o tormento dos ateus e não-salvos em geral fosse infinito? O fato de perder uma vida eterna em um Paraíso, de ser castigado pelo tanto proporcional aos seus pecados e de ser eliminado do Universo para sempre já não basta? Se não basta, essa psicose precisa ser tratada. Urgente.


O tormento tem que ser eterno, senão os ateus não vão se converter!

E por acaso alguém se converte ao islamismo pelo medo de perecer em um tormento eterno infringido por Alá contra aqueles que não seguem o Corão? Eu não. Eu estou pouco me lixando se na religião islâmica está previsto um castigo eterno para com aqueles que não seguirem Maomé. Eu não vou me converter ao islã por causa disso. Eu me converteria se tivesse evidências de que o islã é verdadeiro, e não pelo medo causado pela possibilidade de ser verdadeiro. O ateu pensa da mesma forma, não somente em relação ao islã, mas também em relação ao Cristianismo. Essa ideia de que um tormento eterno é preciso para converter as pessoas é antiquada e irracional.

Além disso, suponhamos que algum ateu se converta mesmo ao Cristianismo pela única razão de que teme um tormento eterno no inferno. Eu não conheço ninguém que tenha se convertido por isso, mas pensemos por um momento no sujeito que esta pessoa irá se tornar. Ele estaria fundamentado no medo, e não no amor. Ele não estaria seguindo a Cristo por amar a Deus acima de todas as coisas, mas por temer o inferno acima de todas as coisas. Ele viveria sob uma áurea de medo, de terror e de tensão que nenhum ser humano do mundo merece. Eu diria que ele se tornaria pior do que era antes.

A única e suficiente razão que deve levar alguém a se converter é Cristo. Se o Espírito Santo não tocar no coração dele, convencendo-o do pecado, da justiça e do juízo, não vai ser o medo que irá gerar essa conversão. Pessoas que se “convertem” pelo medo tendem a se tornar paranóicas, inseguras em relação à fé, inseguras em relação à salvação, com motivações erradas e objetivos falsos. A vida delas é que se torna um verdadeiro inferno. Se Cristo não é suficiente para fazer com que você fique firme na fé, não é o medo do inferno que irá mudar isso. Se a vida eterna não é o bastante para você, não é o pânico por um tormento eterno do outro lado que irá satisfazer sua alma. Se você pensa que estaria melhor no mundo se não for queimar para sempre por causa disso, então volte ao mundo. Você nunca amou a Cristo. Nunca foi regenerado. Não sabe o que é amor. Só conhece o medo.

Se Cristo não for suficiente pra você, pode aumentar a pena do inferno o quanto quiser, pode dizer que vai sair dali nunca, pode dizer que as chamas serão dez bilhões de vezes mais quentes do que você imagina, pode elevar ao máximo o número de torturadores e verdugos, pode atormentá-lo com milhares de invenções humanas, que nada disso terá efeito. Alguém que se “converte” por causa do inferno estará edificado no medo, e não no amor. É só Cristo que converte de verdade. Não o inferno.

Se por um lado o inferno eterno não tem o poder de converter ninguém genuinamente ao evangelho de Jesus Cristo, por outro lado ele tem um enorme poder de minar a fé dos que creem nele. Há muitos cristãos sinceros que ainda creem, por ignorância, em um tormento eterno, porque pensam que este ensinamento é bíblico, mesmo existindo 152 versículos que o refutam. Eles pensam que este ensinamento é “bíblico” porque ouviram isso a vida inteira por pastores ou padres, com o respaldo da tradição denominacional que eles frequentaram. Assim, eles pensam ter o dever de crer e defender a existência do tormento eterno, pois acham que desta forma estarão honrando e servindo melhor a Cristo. Eles cauterizam sua própria consciência moral para tentar não refletir muito na dimensão do horror que isso significa.

Mas chega um dia, e este dia é inevitável, onde essa consciência pesa mais forte e muitos se vêem na impossibilidade de persistir crendo em uma aberração. E o problema é que tais pessoas têm tão fortemente impregnada a ideia de que a Bíblia defende o tormento eterno que elas não abandonam essa crença, ao contrário, elas abandonam é o próprio Cristianismo. Dizem que o ateísmo não possui doutrinas, mas eu discordo. O inferno eterno é a única doutrina ateísta, é a que mais leva cristãos ao lado de lá e é a que mais fortalece a crença deles no ateísmo.

O tormento eterno é a carta na manga de todo e qualquer ateu. Isso seria perfeitamente resolvido e todo o problema acabaria caso os novos cristãos resolvessem retirar o véu da tradição e olhar mais adiante, para as Escrituras, sem as lentes papistas ou os víeis denominacionais. Se isso fosse feito, e se estudos como esses fossem mais difundidos, ninguém mais perderia a fé por causa do inferno, e muitos teriam sua fé renovada, perfeitamente revigorada. É preciso, de fato, um confronto com a realidade. É preciso uma volta ao Sola Scriptura.


Propósitos e Consequencias

Também deveríamos perguntar aos infernistas: qual é o propósito de um tormento eterno, além do sadismo? Justiça é que não é, pois já vimos que no imortalismo as pessoas pagam infinitamente por pecados finitos. Então, o tormento eterno serve para qual finalidade? O infernista pode rodar o quanto quiser, mas no final chegará à mesma conclusão que as pessoas inteligentes já chegaram: nenhuma. Não há nenhuma finalidade em um tormento eterno. Nós podemos encontrar finalidade em castigos passageiros, seja como castigo justo por uma má ação cometida anteriormente, ou então com algum propósito reformatório, mas não há propósito nenhum em um tormento eterno, precisamente por ser eterno!

Pense nas implicações de um tormento eterno: o mal nunca terá fim, pois o mal existe enquanto os que praticam o mal continuarem existindo. Se os ímpios viverem para sempre, o mal sempre existirá. Nunca o Universo se verá livre de toda a mancha do mal. Haverá sempre um “ponto negro” no Universo, haverá para sempre tormento, pessoas gritando desesperadamente, blasfemando contra Deus, amaldiçoando ao Criador. Haverá para sempre blasfêmias, sofrimento, angústia, dor, impiedade, mal. A morte nunca será vencida, pois haveria pessoas em processo de morte eterna consciente, processo este que nunca terminaria, pois a morte seria “eterna” pelo processo, e não pelos efeitos. E pior: o pecado seria eterno, pois sempre haveria pecadores.

Por outro lado, se o aniquilacionismo é verdadeiro, o mal seria definitivamente aniquilado, a morte seria definitivamente vencida, Satanás seria definitivamente destruído, os ímpios seriam definitivamente liquidados, nunca mais haveria blasfêmia, maldição, gritos, clamor, luto, dor e sofrimento algum em parte nenhuma no Universo. É a vitória definitiva e conclusiva da luz sobre as trevas. O mal receberia, de uma vez por todas, o seu golpe mais fatal. Nunca mais haveria nenhuma mancha de pecado, em parte nenhuma do Universo. Ao invés de ser a perpetuação do pecado e do mal, é a eliminação do pecado e do mal. Qual visão é a mais plausível? Qual lhe parece mais com a descrição bíblica de Apocalipse 21:4?

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli (apologiacrista.com)


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[2]Norman Geisler e Frank Turek, Não tenho fé suficiente para ser ateu.

[3]Uma abordagem mais extensa da lei moral pode ser vista aqui: http://ateismorefutado.blogspot.com.br/2014/12/o-argumento-da-lei-moral-resumido.html. Este ainda é apenas um resumo. Em meu livro atual (ainda em construção) há uma abordagem bem mais profunda do mesmo tema. Postarei aqui quando o livro for publicado.

[4] Isso não significa que o ateu possa ser salvo sem Jesus, mas significa que ele pode ser moral mesmo sem crer em Deus.

Comentários

  1. Pois é Lucas, sem contar que existem milhões de cristãos acreditando piamente que Deus envia almas para o Inferno onde são tentadas e atormentadas pelo diabo. Por isso eu costumo chamar o protestantismo evangélico de catolicismo disfarçado. Na verdade, quando a tampa do bueiro for para os ares, muitos vão poder ver que o protestantismo é mesmo uma extensão do catolicismo. Aliás, a que está mais próxima dele.

    Não sei mesmo quando esse povo vai aprender que as heresias sim, é que adentraram muitos séculos atrás nas Igrejas, e muito do que se ouve ou se lê atualmente, e que é considerado como heresias, são, na verdade, ajustes doutrinários que muitos estão tentando fazer. Porém, infelizmente, por causa da tradição doentia, a qual não permite que nada estranho venha derrubar o raciocínio teológico formado por centenas de anos, vemos hoje esses novos apologistas cristãos, reformadores por excelência, sejam rejeitados como lixo - eles e tudo o que escrevem.

    Em contrapartida, já podemos experimentar hoje alguma reforma quando olhamos ao redor. Quem imaginaria que hoje uma boa parte de cristãos pudesse crer no arrebatamento pós-tribulacional? É o que se vê por aí. E acredite, em muitos seminários é matéria de primeira linha. Olhe para a doutrina da predestinação, tão anunciada 30 a 40 anos atrás de uma forma bem tradicional. Hoje, porém, milhões não creem mais daquele jeito. Também se pode encontrar um bom número de evangélicos que não acreditam mais na imortalidade da alma, o que era um absurdo na década de 70.

    Pois é, Lucas, ainda dizem que estes ajustes doutrinários são coisas para doentes. Cheguei a conclusão que é verdade mesmo. Isso é coisa pra gente cansada e sobrecarregada de tradição, mas o que se anuncia desde muitos anos são para os sãos. Jesus não veio para esses, mas veio para os enfermos!

    Vamos esperar, Lucas... Muito do que escrevemos hoje vai estourar como verdade absoluta daqui a uns 20 ou 30 anos, se o Senhor Jesus não voltar antes.

    Muito bom seu artigo

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    1. Você foi muito feliz em seu comentário, Alon. Nem tenho palavras a acrescentar.

      Abraços!

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  2. Mas o Alon mudou de opinião sobre esse negócio do inferno e da alma ?
    Pois antes ele não cria em nada disso, né ?

    T++
    matheus

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    1. Mateus (?), o mundo inteiro acreditava em diabo com garfinho tentando os outros no inferno e também acreditava em alma penada andando por aí fora do corpo - sem rumo - doida pra encarnar nos Mateus que não tem nada pra fazer, NÉ?

      Mas, escuta Mateus (?), eu vou resumir aqui o que creio, e não é de hoje...

      O problema se resolve quando desdobramos o significado de “tormento eterno”, “fumaça do seu incêndio que sobe para sempre”, “lago de fogo eterno” e similares. O significado de tudo isso é: Punição Irreversível. Em outras palavras, é simplesmente que os efeitos do castigo daqueles condenados pelo afastamento de Deus, são eternos, não haverá mais retorno através do perdão.

      Não deve significar que os ímpios condenados sofrerão noite e dia num lugar embaixo da terra sendo queimados por um fogo que nunca se apaga. O retrato do castigo é que a recompensa se torna em punição eterna mesmo, fazendo com que os efeitos sejam IREVESÍVEIS: Eles duram para sempre!

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  3. Belo artigo! Existe muito entulho colocado em cima das escrituras, fazendo com que cristãos sinceros (protestantes e católicos) creiam em tantas aberrações, cauterizando suas mentes! É difícil esses darem ouvidos as verdadeiras doutrinas ensinadas pelo messias e os apóstolos, mas que o Eterno convença a igreja do pecado!

    Dionatan.

    Dionatan.

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  4. Lucas o que vc me diz dessa frase desse padre Paulo Ricardo :

    https://www.youtube.com/watch?v=9wtkyt9f-Ts&feature=youtu.be
    .
    T+++
    Matheus

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  5. http://cavaleirodoinferno.blogspot.com.br/
    http://cavaleirodoinferno.blogspot.com.br/

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    1. Sim, recomendo a todos que entrem nesse site, para verem até que ponto que a doutrina sádica e psicopata do tormento eterno é capaz de levar alguém.

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  6. "...seria insensato e injusto se Deus punisse o ladrão de frangos da mesma forma que ele puniria Adolf Hitler, ou que ele punisse um índio de 12 anos, que nunca ouviu falar de Jesus."

    Lucas, seria possível Deus punir, nesse caso, um índio de 12 anos que nunca ouvir falar de Jesus? Creio que serão condenadas as pessoas que NEGARAM a Cristo, não as que nunca ouviram falar dEle... Isso não entraria em contradição com Romanos 2:13? (Conjecturando que o índio é justo, mas desconhece o Deus cristão)

    Entendi a mensagem deste artigo de forma diferente quando li seu livro "Deus é um Delírio?" Fiquei em dúvida quanto a sua posição...

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    1. Talvez eu tenha me expressado mal. O que eu quis fazer é uma antítese, ou seja, pegar o caso mais extremo dentre os condenados, comparado com o caso menos extremo. Aí ficou o exemplo do "Hitler" com o do "índio de doze anos". Mas obviamente se presume que este índio de doze anos não foi condenado somente por não ter tido uma oportunidade de salvação (i.e, por não conhecer Jesus), mas porque fez coisas más também, embora em uma medida infinitamente menor que Hitler. O que eu penso sobre o destino dos povos não-alcançados é que não são automaticamente salvos por não conhecerem a Jesus, e também não são automaticamente condenados pela mesma razão, mas Deus irá julgar cada um deles pela correspondência dos mesmos à lei moral, como eu escrevi aqui:

      http://ateismorefutado.blogspot.com.br/2015/04/o-destino-dos-povos-nao-alcancados.html

      Abraços.

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  7. Belo texto mesmo, uma vez, no inicio da minha jornada no Evangelho, adquiri uma fita cassete (só pra ter ideia de quanto tempo foi kkk)em que uma "irmãzinha" de um tristemunho de como Deus a arrebatou pro céu e o inferno. O interessante foi notar que no inferno ela viu gente sendo atormentado por (é serio) - cortar o cabelo, se maquiar, dormir pelado (vixe, estou condenado então) e por ai vai.
    O problema que muitos vão atrás dessas "revelações" e fazer como os bereanos que é bom, nada.
    Ricardo Soares

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    1. Pior ainda são os vários relatos em que os "espíritos" que estão no inferno SANGRAM, outros em que eles tem OSSOS, e outros em que eles vão pra lá com as roupas do corpo ainda... é tanta bizarrice que mesmo quando eu era imortalista já desconfiava dessas loucuras.

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  8. A bondade de Deus é tanta que até mesmo a punição dada para o diabo é finita!A bíblia diz que um dia Satanás será reduzido a nada,deixará de existir. Se a doutrina do tormento eterno fosse verdadeira,Satanás continuaria existindo por toda a eternidade.

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